Intervenção religiosa na recuperação do adicto
14/04/2025

Por Zila van der Meer Sanchez e Solange Aparecida Nappo
O estudo qualitativo exploratório realizado em São Paulo, SP, entre 2004 e 2005, investigou como adictos que buscaram tratamento religioso não-médico e estavam abstinentes há pelo menos seis meses relataram suas experiências. Foram realizadas 85 entrevistas em profundidade com adictos, divididos entre os grupos religiosos católicos, evangélicos e espíritas. O estudo explorou o impacto das religiões no tratamento da dependência de drogas e a prevenção ao uso de substâncias.
A análise revelou diferenças significativas no tipo de suporte oferecido por cada grupo religioso. Os evangélicos foram os que mais utilizaram a religião como forma exclusiva de tratamento, com forte resistência ao tratamento médico e farmacológico. Já os espíritas, em sua maioria de classe socioeconômica mais alta, buscaram o apoio da religião em conjunto com o tratamento convencional. Os católicos também usaram a terapêutica religiosa, mas apresentaram maior abertura a tratamentos médicos. Entre todos os grupos, a oração foi citada como um método ansiolítico comum, com a confissão e o perdão desempenhando papéis importantes na reestruturação da vida e na melhora da autoestima.
Os resultados indicam que, para os entrevistados, o que manteve a abstinência não foi apenas a fé religiosa, mas o suporte emocional, a pressão positiva, o acolhimento do grupo e a reestruturação da vida proporcionada pelos líderes religiosos. Esses fatores foram fundamentais para o sucesso na recuperação da dependência de drogas. O estudo também sugere que, além da fé, o papel da religião e da espiritualidade no tratamento e prevenção da dependência é um processo que envolve apoio social e pessoal significativo.
A introdução do artigo situa a religiosidade como um fator protetor contra o consumo de drogas. Estudos quantitativos indicam que a religiosidade tem sido associada à diminuição do uso de substâncias e ao aumento das taxas de recuperação. A religiosidade pode atuar ao aumentar a resiliência, o suporte social e reduzir a ansiedade, facilitando o processo de recuperação dos adictos. Em particular, a pesquisa qualitativa explora a eficácia da religião como tratamento alternativo, com ênfase em como a fé, o suporte social e as práticas religiosas ajudam a combater a dependência de drogas.
Metodologicamente, a pesquisa utilizou observação participante e entrevistas semi-estruturadas com 85 adictos. A amostra foi composta por 69 homens (81%) e 16 mulheres (19%), representando três grupos religiosos: evangélicos, espíritas e católicos. O tempo médio de abstinência foi de cinco anos, e as entrevistas focaram em aspectos sociodemográficos, história do consumo de drogas, tratamentos médicos e religiosos, além da prevenção oferecida pelas religiões.
Os resultados destacaram a importância do apoio emocional e espiritual oferecido pelos grupos religiosos. Os evangélicos, por exemplo, acreditavam que a cura viria exclusivamente pela fé, com encontros frequentes na igreja e práticas como a expulsão de demônios. Já os católicos e espíritas combinavam a fé com o tratamento médico, sendo os espíritas mais receptivos ao tratamento convencional, enquanto os católicos apresentaram mais flexibilidade quanto ao uso de medicamentos. A oração foi um elemento comum em todos os grupos, sendo considerada um substituto terapêutico para medicamentos.
Em relação ao tratamento médico, muitos dos participantes relataram a busca inicial pela ajuda religiosa devido à gratuidade e imediata disponibilidade, embora alguns, especialmente os espíritas, reconhecessem a importância de um tratamento médico combinado ao espiritual. No entanto, a experiência com profissionais de saúde foi frequentemente descrita como fria e distante, contrastando com o acolhimento vivido nos grupos religiosos. O apoio mútuo nos grupos de fé, que funcionam de forma semelhante aos grupos de 12 passos de Alcoólicos Anônimos, também foi um fator determinante para a recuperação.
O estudo conclui que, para os participantes, a fé religiosa sozinha não foi suficiente para manter a abstinência, mas foi o suporte contínuo das comunidades religiosas, a orientação espiritual e a reestruturação da vida proporcionada pelos líderes que desempenharam um papel crucial na recuperação da dependência química. O estudo reforça a importância de uma abordagem integrativa, que combine elementos espirituais e terapêuticos, como modelo eficaz para o tratamento da dependência química.