O eu e o outro: a questão narcísica das adicções

11/03/2025

O eu e o outro: a questão narcísica das adicções

Paloma Mendes Zidan
Raquel Vasques da Rocha


Sobre a relação entre o corpo e o psiquismo, Freud (1923/1976f) nos diz que o eu é antes de tudo um eu corporal. Isso porque o ego se organizará a partir de representações disso que se passa na superfície do corpo e dos inúmeros estímulos e sensações, tanto internos quanto externos que são captados. Sendo, portanto, o que há de mais primário no psiquismo.
Um autor que se dedicou a este importante aspecto da constituição psíquica a partir do corpo, mais especificamente da pele, foi Didier Anzieu. Esse autor desenvolveu conceitos como o de eu-pele para designar “uma figuração que o eu da criança utiliza durante certas fases de seu desenvolvimento para representar a si mesmo como eu a partir de sua experiência da superfície do corpo” (Enriquez, 1999, p. 157).
Em sua tese de mestrado, Azevedo (2003) nos fala que Anzieu formula o conceito de eu-pele a partir do texto de Freud, de 1895, a fim de conceber o ego como unidade. Ele entende que o ego se constitui na relação da criança com o outro, ou seja, a criança começa a ter a noção de mundo interno e externo a partir de experiências de contato de seu corpo com o corpo do outro. E é na tentativa de levar em consideração as representações presentes na constituição egoica que o autor desenvolve a noção de eu-pele, que tem em sua base o encontro com o outro uma vez que marca um limite no corpo. O eu-pele se opõe aos excessos de excitação e cria uma pele psíquica.
Porém, para isso acontecer, é necessário o encontro com o outro, que organiza, mesmo minimamente, o que vem de fora e o que está dentro do corpo do bebê, assim delimitando fronteiras. Mas isso só é possível a partir do contato de seu corpo com o corpo do outro, do encontro com seu olhar e o investimento libidinal, e também pelo que esse outro oferece como elemento de contenção e sustentação. É preciso que o mundo externo seja trazido para o bebê de uma maneira compreensível e adequada às suas necessidades.
Esse processo diz respeito à relação primária, inicialmente marcada pela indiscriminação entre mãe e bebê, díade cuja separação dar-se-á a partir da entrada de um terceiro (pai) e pelas sucessivas presenças e ausências da mãe junto ao bebê. Vale ressaltar que tais elementos são essenciais para que a capacidade representacional possa se estabelecer. A relação com a mãe aparece como primordial na constituição das fantasias, na apropriação corporal e ainda é responsável por possibilitar a constituição das fronteiras egoicas.
Quando essa relação corporal não se estabelece de forma satisfatória, fica impossibilitado o surgimento da pulsão de apego que Anzieu, ao longo de sua obra, desenvolve como uma pulsão primária não sexual. A pulsão de apego é orientada pela busca de contato físico que traria calor e ternura entre mãe e bebê e que estaria na base das possibilidades tanto de apego como de separação. Como podemos notar, o sentimento de estar dentro de si, em seu próprio corpo, é tão importante quanto a integração egoica.
Vemos como a relação inicial, fundamental para a constituição egoica, é marcada por um estado de desamparo em que o bebê se encontra num lugar de passividade, em que sua existência tanto física quanto psíquica depende do outro. A construção do ego como entidade psíquica se dará, portanto, por meio das primeiras capturas do que é bom (prazer) e das tentativas de isolamento do que é mau (desprazer), que são mediadas pelo outro.

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