Sobriedade Além da Abstinência: Como Gerenciar Emoções, Apetite e Energia Sexual para Evitar Recaída
26/04/2025

Por Raique Almeida
Vamos começar falando sobre o primeiro ponto, que frequentemente se transforma no principal motivo de recaída para quem busca manter a sobriedade: as emoções. É importante lembrar que, em um tratamento para dependência, deixar de consumir é apenas 20% do processo. Não basta simplesmente parar de usar a substância, é necessário aprender a lidar com as emoções. Muitos pacientes chegam dizendo: “Eu estava indo muito bem, tinha parado de consumir, mas briguei com a minha mãe e recaí”, ou então: “Briguei com minha parceira e voltei a usar”, “Um amigo querido faleceu e eu recaí”.
Eventos dolorosos ou emocionantes são constantes na vida. Lidar com eles é essencial. Precisamos saber reconhecer e expressar o que estamos sentindo, colocar em palavras: “Estou triste”, “Preciso viver um luto”, “Estou chorando porque perdi algo importante”. A maioria dos adictos não externaliza esses sentimentos e acaba se sabotando. Quando conseguem falar sobre suas emoções, passam a administrá-las melhor, ficando menos vulneráveis. É crucial ensinar o cérebro que dificuldades na vida não podem servir de desculpa para voltar ao consumo. Alegrias e tristezas sempre existirão. Se cada uma delas for usada como justificativa, a pessoa permanecerá presa ao comportamento que leva ao uso.
Adictos são, em geral, muito sensíveis e emocionais, tendendo a interpretar as ações dos outros como julgamentos ou críticas. Daí a importância do tratamento contínuo e dos grupos de apoio, onde se aprende a lidar com o luto, a frustração e a celebrar conquistas sem recaídas.
Outro fator importante a ser considerado é o manejo do apetite. Este não é um controle racional da parte do cérebro responsável pela lógica (córtex pré-frontal), mas sim algo relacionado ao sistema límbico, o mais primitivo, que compartilha semelhanças com o comportamento animal. Um adicto, ao não controlar o apetite, envia mensagens erradas ao cérebro: se me permito excessos com comida, posso me permitir excessos com substâncias. Comer em horários irregulares, exagerar nas porções ou buscar compulsivamente prazer na comida cria padrões que facilitam a recaída. Por isso, é essencial estabelecer horários fixos para as refeições, cuidar das quantidades e evitar excessos, mesmo em situações de celebração.
É muito comum que, durante a recuperação, a busca pela dopamina, que antes vinha da substância, passe para a comida. Daí a necessidade de manter uma dieta equilibrada, controlando especialmente o consumo de açúcar e carboidratos. Um corpo que recebe sinais de descontrole se torna mais propenso a recaídas.
Outro ponto que merece atenção é a energia sexual. Após seis meses ou um ano de sobriedade, é comum que a pessoa em recuperação sinta um aumento significativo da libido. Se não houver um manejo consciente dessa energia, ela pode levar à recaída. Muitos pacientes relatam: “Tenho sentido muito desejo sexual, faz tempo que não tenho relações, e estou pensando em encontrar uma antiga parceira ou parceiro”.
O problema é que, frequentemente, esses encontros acontecem em ambientes de risco, como bares ou clubes noturnos, onde há consumo de álcool e drogas. Esses lugares, aliados à excitação da clandestinidade e do risco, reforçam antigos padrões cerebrais ligados ao comportamento da dependência química. É fundamental que isso seja conversado de forma aberta e sem tabu nas famílias. É preciso perguntar: quem é essa pessoa? Ela representa um fator de proteção ou de risco? Em quais ambientes esses encontros acontecerão?
O adicto tende a buscar o oculto, o clandestino, justamente pela sensação de adrenalina que isso proporciona. E isso ativa, no cérebro, o mesmo circuito que anteriormente estava vinculado ao consumo. Por isso, é vital falar abertamente sobre a gestão das emoções, do apetite e da energia sexual. Conversar sinceramente evita que essas questões se tornem gatilhos escondidos para recaídas.
Referências:
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